Na vida,
muitas pessoas ficam presas em ver apenas conceitos, preceitos e baseiam todo
seu mundo em cima das analises de modelos pressupostos. O problema é que
modelos como o próprio nome diz são coisas estimadas a partir de certa linha
teórica, entre tanto, esta linha pode não coincidir com a realidade. Quando
isso acontece as diferenças entre os conceitos baseados no ver são muito
diferentes dos conceitos de quem vive aquela realidade.
Quando
se trata de politicas de inclusão social e formação isso se agrava mais ainda,
pois nunca na vida uma pessoa que teve sua origem na classe media vai conseguir
imaginar com os mínimos detalhes toda a realidade de uma pessoa com origem nas
classes menos favorecidas.
Todos
os conceitos de sociedade e de função social são afetados diretamente pela
conjuntura familiar, contexto socioeconômico, cultural e padrões de analise
comportamental da sociedade no entorno do individuo.
Digo que cada
um tem sua escolha, entretanto nem todos tem as mesmas dificuldades e
oportunidades, sendo assim tentar utilizar os mesmos padrões de analise para
uma pessoa que se desenvolveu sem estrutura familiar e sem as condições padrões
de subsistência e outra que teve todas
as condições adequadas na infância e adolescência é no mínimo não querer enxergar os desafios de nossa
sociedade.
Levando mais a
fundo este assunto, podemos afirmar que esta é uma competição totalmente
desigual, é que para que possa mudar é preciso que haja politicas e ações por
parte das instituições governamentais visando a igualdade de condições. Isso se
faz através de criação de politicas de assistência estudantil.
Hoje com 22
anos, e curso o mestrado em geociência. Me considero vitorioso de ter
conseguido chegar até aqui, luto com todas minhas forças para ampliar as politicas
de assistência estudantil. Isso por que sei da importância delas para conseguir
mudar um pouco das condições do nosso Brasil.
As leis nem
sempre propiciam e colaboram para a mudança social. Quer dizer, podem ser
lindas no papel, mas não tão bem executáveis na pratica se não forem
interligadas com politicas de assistência. Pela legislação só é possível
trabalhar a partir dos 16 anos, na minha vida comecei a trabalhar aos 7 ou 8
anos vendo frutas, mais tarde picolé, enchendo saquinhos de terra para plantio
de mudas, catando bosta de vaca pra vender como adubo, carpindo quintal,
roçando, catando latinha e ferro velho, entregando jornal, vendendo pão,
vendendo pastel na feira entre muitas outras atividades.
Minha primeira
bicicleta comprei aos 8 anos de idade depois de encher 600 saquinhos de terra.
Dai por diante comecei a utiliza-la para vender frutas (limão, abacate,
maracujá entre outras) como a escola era longe de casa precisava da bicicleta
para poder ir estudar. Transporte público (escolar) só começou quando estava na
2 serie. Consegui estudar graças a minha mãe que sempre me ajudou em casa.
Me lembro hoje
a alegria que foi quando implementado ainda no governo de FHC o bolsa escola.
Para mim aquilo significava muito já que meu pai estava no assentamento do MST
de jangada roncador e minha mãe criava sozinha 4 filhos pequenos com meio
salario mínimo que vinha de ajuda familiar. Neste cenário trabalhar, ou seja,
vender frutas na feira é a melhor coisa que conseguia fazer para assim poder
comprar algumas coisas para casa e para mim. A bolsa escola foi a primeira
politica de assistência estudantil que fez parte da minha vida, não serviu para
comprar material escolar, mas serviu para colocar um pouco de comida em casa.
Entre os 10 e
13 anos passei a vender pão na feira, juntamente com as frutas e quando podia
pegava um bico (roçava ou carpia algum quintal) para ganhar uma grana a mais,
ajudava também a cuidar da casa dos vizinhos. Me lembro hoje de o conselho
tutelar de chapada me tirar de meu primeiro emprego (caseiro na casa de um
vinho próximo). Minha entrada na
politica foi nessa época, como morava a 4 km da cidade. Aproveitava a ida para
escola para levar os pães que tinha para vender, certo dia um colega me rouba
um pão. Indignado com a situação procuro a direção da escola para tentar
resolver a situação, a diretora ao invés de entender a situação tenta proibir
que eu leve os pães para aula. Para garantir meu direito de vender pães e lutar
contra as arbitrariedade que as vezes ocorrem nas escolas começo então a montar
o grêmio estudantil da escola Ana Tereza Albernaz, isso aos 11 anos de idade.
As 13 anos
inicio também na pesquisa com o projeto de iniciação cientifica júnior – PIBIC
Junior cujo tema era “Iniciando na Arqueologia”. Aos 14 anos passo no CEFET-MT
e venho morar sozinho em Cuiabá, como a situação de minha família não tinha
mudado, continuava sem nem um tipo de apoio financeiro, por isso estudava e
trabalhava.
Nos 2
primeiros anos que morei em Cuiabá meu patrimônio se resumia a 1 colchonete, um
travesseiro, um ventilador e 3 pratos e
duas panelas. Meu salario era o suficiente para às vezes pagar as contas e
sobravam uns 20 reais para diversão (na maioria das vezes, jogava vídeo game e
tomava uns vinhos vagabundos e umas pingas) como o salario era pouco (240)
tinha que fazer uns bicos por fora para terminar de pagar as contas. A coisa
melhora um pouco quando recebo minha segunda PIBIC Junior com o projeto “A
poluição do rio Cuiabá através dos tempos” e quando no 3 anos do ensino médio
consigo a bolsa de alimentação da escola (500 gramas por dia). Nessa época era
magro que nem palito. Morei de favor em 4 lugares, e aluguei mais uns 4 no
decorrer destes tempo. Ao todo morei no Coxipo da ponte, boa esperança, Cristo
Rei, Don Aquino, Morada do Ouro, Verdão e copema.
Por fim na
UFMT, consigo entrar nas politicas de assistência estudantil. Na época eram
cerca de 54 vagas nas casas de estudantes masculinas e femininas, a bolsa
permanência era 180 reais e a alimentação 50 reais. Devido a diferença de
valores preferi continuar com meu estagio que acabava de ser reajustado para
360 reais, mesmo assim minha vida melhora um pouco devido ao fato de não
precisar mais pagar aluguel. Com o tempo passa a ficar difícil estudar e manter
o estagio devido ao fato da faculdade ser integral e o estagio era muito
puxado. Junto a outros moradores passamos a formar um movimento forte pelo
reajuste das bolsas e por fim conseguimos reajustar para 300 (permanência) e 85
(alimentação) neste momento cria-se a possibilidade de eu deixar o estagio e
passar a me dedicar a faculdade um pouco mais.
As lutas pela
ampliação continuaram e continuam até hoje, conseguimos aumentar o numero e
valor das bolsas e hoje a casa do estudante abriga mais de 100 pessoas com a
perspectiva de atingir 160 ainda este ano. Minha irmã hoje moradora desfruta de
alguns destes benefícios conquistados que garantem a possibilidade de se fazer
um curso superior. As bolsas ainda precisam aumentar mais em numero e valor.
Ainda a muito o que se fazer, hoje o projeto que eu mais dedico o tempo é o de
construção da casa do estudante estadual que quando construída possibilitara a
196 estudantes ter a mesma oportunidade que tive.
Não adianta se
discutir mudança social somente no teórico, precisamos de fato ampliar as
politicas de inclusão. Assim como eu no passado fiz, tenho certeza que muitas
crianças hoje trabalham para conseguir ajudar a em casa. Temos uma evasão de
quase 40% dos jovens durante o ensino médio, isso reflete um cenário de descaso
com a juventude e de falta de mecanismos para garantir as possiblidades básicas
de subsistência destes jovens e de sua família.
Se muitos
afirmam que somente a educação muda um país.
Eu afirmo que
ninguém estuda de barriga vazia e sem ter onde morar! Por isso precisamos de mais assistência estudantil.
Muito bom o texto. Ninguém há de discordar sobre a necessidade da assistência estudantil quando se fala em educação. Sobre essa questão da sua crítica a respeito de teorizar, acredito que os diferentes métodos práticos adotados no movimento estudantil ou em qualquer outro, onde haja um planejamento mínimo, todos partem necessariamente de uma visão de mundo, uma ideologia, uma suposta teoria. Acho que é isso. Parabéns! XD
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